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Anatomia de uma Rivalidade: A Guerra entre Celtic e Rangers

Os clássicos do futebol se encontram por todas as partes, sendo motivados pelos mais diversos motivos. Seja por uma diferença regional, uma polêmica partida que ficou para a história ou uma simples inimizade de torcedores, as rivalidades permanecem em sua maioria dentro dos gramados, com os entusiastas do jogo convivendo normalmente no dia a dia. Porém, este não é o caso de “Old Firm” (Velha Firma), o dérbi que se tornou capaz de dividir um país. Mas para entendermos o nível dessa rivalidade, primeiro temos de conhecer os dois clubes.

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Celtic Football Club

Criado em 1887 pelo marista irlandês Walfrid Kerins, na Igreja de St. Mary Hall, o Celtic Football Club nasceu para alimentar os pobres e famintos da histórica região de East End, em Glasgow. Segundo Walfrid, o clube estava sendo criado para “ A manutenção das mesas de jantar das crianças e dos desempregados”.  Porém, o que o marista não esperava era que frenesi da novidade do esporte seria tão grande, tornando o clube um dos líderes do futebol escocês em pouco tempo.

Na imagem vemos um busto em bronze acima de uma pedra em tom cinza. O busto diz respeito ao Irmão Walfrid, fundador do Celtic.
Estátua de Irmão Walfrid – Reprodução

Os fundadores escolheram o nome da equipe para refletir sua conexão escocesa e irlandesa, um motivo de orgulho para os fãs e colaboradores. Segundo a Associação de Clubes de Torcedores do Celtic Irlandês (AICSC), existem mais de 40 clubes de torcedores oficiais diferentes em seu registro, todos situados na Ilha Esmeralda.

E essa paixão não se deve apenas ao grande serviço que o clube prestou aos necessitados de East End, mas também por sua grandeza no cenário continental.  O Celtic foi a primeira equipe britânica a conquistar a Liga dos Campeões, no ano de 1967. Até este momento, todas as conquistas haviam sido de equipes espanholas, portuguesas e italianas. O título apresentou um grande rompimento com a tradicional hegemonia de tais clubes na competição.

Até os dias de hoje, o Celtic permanece como o único time escocês a chegar em uma final da competição. Três anos depois, a equipe buscou repetir a façanha, porém, foi derrotado pelo Feyenoord na decisão.

Glasgow Rangers

Fundado em 1872, o Glasgow Rangers saiu da mente de quatro jovens entusiastas do remo. Peter McNeil, Moses McNeil, Peter Campbell e William McBeath se reuniam regularmente em Glasgow Green para jogar futebol, como maneira de se divertirem. Foi então que, pensando na equipe inglesa de Rugby Swindon Rangers, nasceu o clube mais bem-sucedido do mundo em termos de campeonatos nacionais vencidos, tendo o time mais de 50 títulos.  Porém, apesar de sua história bastante vitoriosa, os Rangers jogaram seus primeiros 25 anos em vários locais ao redor de Glasgow, antes que se levantassem fundos para a construção do Ibrox Stadium.

Com isso, não é possível falarmos sobre a era vitoriosa da equipe sem citarmos Bill Struth. Auxiliar técnico até o ano de 1920, Bill entrou no cargo para fazer história, ficando 34 anos em sua posição. Foi neste período em que o Rangers conseguiu conquistar 19 Campeonatos Escoceses, além de 10 Copas Escocesas.

A Triste Queda

Porém, até os clubes passam por seus altos e baixos. Recentemente, durante a temporada 2011/2012, a equipe passou por uma série de dificuldades financeiras, o que levou o time à falência. A dívida chegava a 1,1 bilhão de reais, o que não era comum para os padrões da época. A decisão tomada foi a venda do clube para um grupo de empresários, que o renomearam para The Rangers, por necessidade da legislação. Após ser rebaixado para a 4º divisão, o torcedor viu o seu pior pesadelo se tornar realidade. Sem a condição de disputar grandes títulos, o amargor do lado azul de Glasgow se tornou ainda maior com a grande sequência de conquistas de seu rival. O sentimento de impotência perante as grandes disputas da Primeira Divisão se transformou em combustível na tentativa de retorno à elite do futebol escocês. 

Na imagem vemos um homem de costas para a câmera, com um boné branco e uma camisa azul com os dizeres: "Destiny", em branco. Ele está em frente a um prédio grená, a sede do Rangers.
Torcedor do Rangers diante do Ibrox Stadium – Foto: Reuters

Foi assim que em maio de 2018, o lendário jogador do Liverpool Steven Gerrard desembarcou no Ibrox Stadium, pronto para escrever uma importante página da história dos Rangers no livro dos campeões.  No ano de 2021, a equipe chegou ao seu 55º título da Premiership, se reafirmando como um gigante do futebol escocês.

A Intensa e Complexa Rivalidade

Diante da grandeza de ambos os times, a rivalidade entre eles é uma resposta a divisão de protagonismo em um cenário nacional. Porém, a grande divisão entre os dois clubes têm raízes muito mais profundas que a pura relação esportiva.

Adentrando na área política, as duas equipes possuem torcidas que se posicionam de maneiras contrárias desde seu início. Com uma grande base de torcida irlandesa-escocesa, os “Bhoys” – como são chamados os fãs do Celtic – tem grandes ideais separatistas em relação ao Reino Unido. O sentimento de grande parte da população irlandesa se mantém desde a Guerra de Independência da Irlanda, conflito armado que ocorreu de 1919 a 1921.

Já os “Gers”, como são chamados os torcedores do Rangers, demonstram apoio a permanência da Escócia no Estado britânico.

A diferença de pensamento se exemplificou nas partidas dos rivais pela segunda rodada da Liga dos Campeões de 2022. Na ocasião, todos estavam atônitos com a notícia da morte da Rainha Elizabeth II, da Inglaterra.

Foi então que, durante a partida entre Rangers e Napoli, uma das arquibancadas do Estádio Ibrox foi tomada por um mosaico, onde a silhueta do rosto de Elizabeth se encontrava. A torcida prosseguiu com as homenagens, respeitando o minuto de silêncio e chegando a tocar o hino God Save The Queen.

Na imagem vemos um mosaico com as cores: branco, vermelho e azul, formando a bandeira da Grã-Bretanha. No centro vemos em preto a silhueta da Rainha Elizabeth II.
Homenagem do Rangers a Rainha Elizabeth II – Foto: Yorkshire Post

Porém, ao centro do Velho Continente, os verdes de Glasgow estavam prontos para enfrentar o Shakhtar Donetsk. Já prevendo uma reação negativa por parte dos torcedores visitantes, a organização não implementou homenagens a ex-monarca. Porém, isso não diminuiu os fortes sentimentos dos “The Bhoys”, que intensificaram os protestos, com faixas que diziam: “F…-se a Coroa”.

A Diferença Religiosa

Uma das diferenças mais evidentes entre ambos os clubes é a representatividade da religião em suas torcidas. O nascimento de suas histórias têm fortes bases nas crenças cristãs, com o Celtic sendo formado por imigrantes irlandeses católicos, e o Rangers por sua vez atraindo um grande apoio da comunidade protestante.

O movimento ocorreu em meados de 1890, dezoito anos após a criação do Celtic. Mas o que se iniciou no esporte se transferiu para toda a cidade, ocasionando em uma divisão sem precedentes. A ultrapassagem da barreira futebolística criou em Glasgow uma cisão completa, de modo que a vida de seus moradores nunca mais foi a mesma. Ano após ano, o crescimento da violência nos arredores dos estádios tomou uma proporção imensa, tornando o ambiente perigoso para os torcedores e também aos não apoiadores.

E juntamente dessa agressiva separação entre as torcidas, os clubes mergulhavam em uma odiosa relação entre si. Desde a década de 1920, o lado azul de Glasgow instituiu em sua política de contratações uma regra não escrita, adicionando empecilhos na compra de jogadores católicos para compor seu elenco. A primeira admissão pública deste separatismo veio em 1965, quando o então atacante Ralph Brand apontou ao jornal “News of the World” que a diretoria mantinha uma política de contratações anti-católica. Quando questionado sobre o tema, o vice-presidente Matt Taylor justificou a ação como “parte de nossa tradição”.

A mudança, porém, veio a ocorrer apenas 24 anos depois das declarações, com o polêmico treinador Graeme Souness contratando o católico e ex-atleta do Celtic Maurice Thomas Johnson. Nos dias atuais essas transferências se mostram mais comuns, apesar dos ainda complicados dias de Old Firm.

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